28 agosto, 2007

« O Roque »

Maria de Lurdes Rodrigues e António da Silva Carvalho

Abrigados à sombra da parreira, perdidos na doçura de uma talhada de melão e de um copo de vinho branco, fomos descobrindo o gosto miniaturista de António da Silva Carvalho «O Roque».

- “ Chamam-me Roque porque o meu pai era Roque, e Roque fiquei (…) não sou homem de ir para o café e não gosto de falar na vida alheia (…) vou fazendo estas coisas para passar o tempo...”
Exibia com vaidade os arados, os bois e os carros-de-bois feitos em miniaturas, e falava-nos do tempo, desse tempo a quem ele estava habituado a trocar as voltas e a roubar o vagar para as suas construções.

Os oitenta e dois anos mostravam-se ainda rijos para cuidarem do campo que rodeia a casa no lugar do ribeirinho. E com um sorriso maroto lá foi dizendo:
- “Olhe que a minha mãe durou até aos cento e três anos!…”

Adivinhámos-lhe a graça e dissemos:
- Ó ti António, se o tempo não nos pregar a finta, havemos de voltar a conversar daqui a vinte e cinco anos… pelo menos!

(Mós - V.N.Foz Côa) 18Agosto2007

22 agosto, 2007

Tia ILDA


Ilda Almeida, com a mesma franqueza que nos abre a porta de sua casa, vai destapando do mais fundo da sua memória certezas que transformaram incertos os dias da sua vida. Não é dificil adivinharem-se-lhe no rosto as atribulações vividas nestes seus 83 anos de idade.

Órfã de pai aos cinco anos, foi morar aos doze, depois da morte de sua mãe, para a casa de uns tios. Aí, por caminhos diferentes dos que então percorrera, partilhando a vida com os tios pastores atrás do gado ou com a vasilha do leite à cabeça, havia de conhecer outras maneiras de enganar o sono.

A lida do campo, entre luas, preenchera-lhe todas as horas... Esqueceu-se de si, demasiadamente, a servir os outros ... E, sem tempo, viveu o tempo pelo lado mais escuro...
Não foi à escola. Não casou. Vive sozinha.
"Mas tem muitos amigos"...

Num envelope grande, guarda as fotografias mais recentes, e aquela, que os sobrinhos lhe tiraram e mandaram da França, onde aparece a ser beijada:

- «Aqui, pareço uma senhora!»

(Ranhados - Mêda) 17Agosto2007

10 agosto, 2007

Amilcar Saraiva

Melodias (ajustadas)
Nas mãos,
com que traz para casa o pão de cada dia,
embala, agora, a gaita-de-beiços,
adormecendo a noite
no sono roubado a todas as manhãs.

Como que a pedir desculpa às horas
amargadas pelo suor e pelos lutos,
Amilcar, vai ajustando melodias,
aquelas, onde a própria memória se refugia !...


(Relva - Longroiva) 24Março2007

09 agosto, 2007

Odete Costa

(Entre as silvas e as amoras)
Entre as silvas e as amoras
Vai tricotando saudades …
Irmã de todas as horas,
Tem nos olhos as estrelas
Com que alumia as vontades.

Enjeitada da fortuna.
Afilhada do cansaço.
Chama as cabras, uma a uma,
E guarda as tardes no regaço.

(Q.ta da Coutada- Longroiva) 03Março2007