Um retrato em dia de Santo Amaro
Embora fisicamente não nos parecesse estranha, não reconhecemos a personagem. Mesmo assim, permitimo-nos roubar-lhe o retrato.
Seria apenas mais um retrato. Um retrato a quem, dado o momento de oração, nem sequer lhe conseguimos perguntar o nome.
Um retrato em dia de Santo Amaro.
Um ano e oito meses depois, e porque a mansidão do olhar não deixava dúvida, reencontramos por acaso o homem do retrato.
Chegou acompanhado de uma vizinha que o ajudou a sentar-se no banco da praça.
- Era a noite da festa na Fontelonga, sua terra Natal.
Do extenso rol de contrariedades que a vizinha nos desvendou da vida deste homem, a última, ainda fresca, era a da morte do filho que tinha em França.
Depois de algumas voltas dadas pela arca velha da memória, por ironia do destino, havíamos de descobrir que também nós temos a nossa quota parte no rol dessas contrariedades, ao lembrarmo-nos que, anos antes, acidentalmente, à porta da taberna da D.ª Etelvina, e da única vez que um cão nos ficou debaixo da viatura, esse, era do Sr Cassiano. O animal estava deitado à frente de uma das rodas quando iniciávamos a marcha.
Só quem já passou por idêntica situação de perda, é capaz de compreender o estado de alma em que o dono fica. A sua reacção foi de compreensão pelo sucedido, no entanto lembra-nos ter ouvido dele estas palavras: " (...) Antes queria perder sei lá o quê!...".
Cassiano Rebelo, tem 87 anos. É viúvo. Ouve mal. Vive sozinho.
(Fontelonga - Mêda) 2009